domingo, 4 de outubro de 2009

NOTAS DO AUTOR SOBRE O LIVRO: “ATUALIDADE DO CRISTIANISMO GNOSTICO [DO PRINCÍPIO]”

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Defrontamo-nos com o desafio de mostrar que o que trazemos nesse livro, além de ser algo completamente novo e desconhecido para a grande maioria dos “homens de boa vontade” - aqueles que ainda tem ouvidos para ouvir - quer sejam humanistas, religiosos ou esotéricos, também apresenta um conhecimento essencial às atuações apropriadas frente a crise global de limite de consciência, já em franca manifestação e recrudescimento, pela qual a humanidade está passando.

O CRISTIANISMO DO PRINCÍPIO

O Cristianismo Gnóstico do princípio é na verdade a interpretação profunda, essencial e absolutamente original do cristianismo, com uma teologia, uma cristologia, uma prática re-lig-iosa e uma organização hierárquico-institucional, fundamentalmente diferentes da visão proto ortodoxa, e sendo assim, será no mínimo uma surpresa para os que se dispuserem a conhecê-lo.

É um fato comprovado por estudos acadêmicos objetivos, que o cristianismo desde o primeiro século existia em suas vertentes gnósticas em grande destaque e contingente de seguidores, convivendo com os ramos proto-ortodoxos. Evidentemente havia litígios entre essas corrente que, no entanto, permaneciam mais em um nível ideológico de disputa. Esse contexto está muito bem exposto num clássico: “Os Evangelhos Gnósticos” da historiadora americana Elaine Pagels.[1]

A ortodoxia se tornou dominante quando ganhou poder imperial - o poder romano - a partir do século IV com a conversão do imperador Constantino. A partir de então, rompeu-se pela intimidação, desinformação, perseguição e aniquilação qualquer possibilidade de convívio entre essas duas correntes. O Cristianismo Gnóstico embora nunca tenha deixado de se manifestar nesses dois mil anos foi historicamente - mas não espiritualmente - derrotado. Por isso a denominação “cristianismo” passou a se referir exclusivamente às percepções, interesses materiais, disposições doutrinárias, dogmas, conquistas políticas e militares da instituição romana que assim se consolidou.

Assim também, a reforma protestante, que partiu de uma atitude corajosa de grande integridade e idealismo de Martinho Lutero, foi logo absorvida por interesses políticos e econômicos seculares da nobreza alemã. O protestantismo nunca sequer tentou buscar reformulações profundas a partir das bases transcendentes do cristianismo do princípio e sendo assim não logrou produzir nenhuma modificação fundamental em sua teologia. Além disso, quanto à prática, logo no início empreendeu pelos próprios seguidores de Lutero (com sua desaprovação) uma carnificina que não deixou nada a dever aos piores momentos da inquisição romana.

Vivemos esses dois mil anos numa civilização construída sobre os fundamentos desse “cristianismo” e que agora nesse século se esgota. Desse modo estamos nos confrontando com os problemas globais resultantes das profundas contradições teológicas, morais e ecológicas, frutos do ocaso dessa “civilização judaico/cristã ocidental”.

Nesse vácuo vem crescendo a influência de um grupo organizado de militantes do fundamentalismo reducionista materialista, tais como Richard Dawkins e Daniel Dennett, que sob uma retórica cientificista de fachada (sem nenhuma base experimental) vem se aproveitando da fraqueza teológica dos conceitos e práticas das igualmente fundamentalistas e reducionistas religiões tradicionais, particularmente desse referido “cristianismo”, logrando assim espaço para propor a sua suprema trindade ateísta: “Nada-Caos-Acaso”, como base para a construção de um novo fundamento ideológico do mundo da vida e da conduta moral.

Assim como se evidencia em nosso livro, o leitor também poderá se defrontar com a fragilidade e a parcialidade desses argumentos materialistas se assistir à palestra em vídeo que legendei do acadêmico e líder religioso gnóstico, Stephan Hoeller[2]

O CRISTIANISMO GNÓSTICO

Certamente a maioria dirá que entende gnosticismo mais ou menos como algo que se refere a uma relação mais íntima que teria havido entre Jesus e Maria Madalena e sua eventual descendência ou a outras especulações desse tipo. Os que percebem desse modo estão se referindo à gnose-Dan-Brown que certamente não tem nada a ver com gnose alguma. Alias Dan Brown é um escritor profissional e não deve mesmo ter nenhum outro compromisso a não ser com sua imaginação de ficcionista. Mas há algo que deve ser observado com atenção na fenomenal aceitação de seu livro, pois que caracterizou, ainda que de modo profundamente subconsciente, uma demanda coletiva atual, aquariana, por uma nova perspectiva em relação aos exauridos rótulos da cultura cristã ocidental.

No final da primeira metade do século XX um dos achados arqueológicos mais importantes do século acabou por resgatar a importância de uma profundidade espiritual reprimida e escondida por mais de um milênio. Num lugar desértico do Egito foram achados cópias do sec. IV, agrupadas em códices, de escritos do cristianismo gnóstico primitivo, a maioria deles já há muito considerada perdida.
Recuperou-se assim um tesouro: a biblioteca de evangelhos gnósticos de Nag Hammadi.

Após décadas de mirabolantes episódios (dignos de um roteiro de Dan Brown) que atrasaram sua divulgação nos quais a vaidade dos intelectuais então envolvidos foi um dos fatores destacados, os manuscritos foram finalmente divulgados em sua totalidade, a partir da década de 70. Uma nova geração de intelectuais passou então a ser a grande responsável pela divulgação e reconhecimento da importância e do caráter altamente revolucionário que o material trazia na compreensão histórica e teológica do cristianismo em suas origens e fundamentos, até então distorcidos e obscurecidos. E aqui sim, já podemos falar numa gnose, a gnose acadêmica.

É a gnose acadêmica que nos permite hoje afirmar de forma incontestavelmente objetiva que o cristianismo gnóstico não é uma elaboração tardia entremeada de retalhos, feita a partir de idéias helenistas e de outras origens “pagãs’ acrescentadas posteriormente ao pré existente “verdadeiro cristianismo”, mas sim uma prática cristã autêntica ocorrida a um significativo número de pessoas desde os primeiros momentos da manifestação crística do primeiro século concomitante às formações ortodoxas.

Além disso, ao invés de uma mal alinhavada colcha de retalhos teológica, a percepção e a prática gnóstica se mostraram, sob uma análise metodológica especializada e criteriosa, como um sistema poderoso, profundo, coerente e integrado de idéias e práticas espirituais que ao mesmo tempo que compreendiam e potencializavam os grandes arquétipos das culturas religiosas anteriores, também os colocavam sob o enfoque absolutamente novo e revolucionário que caracteriza a especificidade da autêntica e profunda revelação do cristianismo.

No entanto a gnose acadêmica se limita a elaborar estudos e conclusões dentro dos cânones reducionistas da prática científica. Não tem amplitude, por exemplo, para considerar como causa de uma autêntica manifestação gnóstica uma revelação subjetiva intensa e transformadora. Não cabe aqui nada de transcendente!

Assim considera tão somente um processo construtivo feito pela seleção de influências e conhecimentos de várias fontes que por fim, quando devidamente amadurecidas, se estruturam num produto final organizado, numa tese, numa doutrina. E só aí se pode academicamente falar no surgimento da gnose. É claro que não são desconsiderados os “insights” intelectuais criativos, desde que tão somente como contribuições coadjuvantes de um estado mental particularmente preparado, bem dotado e atento.

Não parece, no entanto, razoável imaginar que alguns marceneiros, pescadores, cobradores de impostos, médicos, comerciantes, artesãos, e até (como dizem as más línguas ortodoxas) prostitutas formassem um grupo apto intelectualmente a produzir algo acadêmico da profundidade abrangência e dimensão histórica do cristianismo, mesmo do ortodoxo.

Certamente, alguma coisa aconteceu primeiro.

Antes e bem acima de qualquer pesquisa, teologia, elaboração de doutrina ou de qualquer denominação, algo devastadoramente intenso, transcendente, gerou nesse grupo uma profunda transformação de consciência - não estou falando aqui de erudição ou intelectualidade, estou falando de consciência.

E só assim considerando é que chegamos à Gnose na sua verdadeira dimensão: a Gnose Espiritual, Sagrada.

E essa Gnose, como a divulgamos nos fundamentos desse livro, se refere à determinação do espaço do Divino, do Sagrado, assim como ao estado e ao papel de nossa limitada e exaurida consciência egóica atual quando enceta o processo de re-lig-ação ao seu estado original.

Já é o tempo do Limite e da Crise global.

Portanto precisamos, sem circunlóquios, deixar claramente registrado que o conceito e prática da Gnose Sagrada que professamos, propomos e divulgamos em nada se refere a invocações, sortilégios e mandingas protetoras, mesmo que encobertas e adornadas sob outras denominações mais exóticas e politicamente corretas. Também em nada tem a ver com as práticas ditas “espirituais” ou “transcendentais” que de modo apressado e forçante se propõe a revelar o “segredo” da “fast-iniciação”, do domínio e apropriação privilegiada de forças cósmicas sutis ,em benefício da sobrevida de nossa já exaurida consciência egóica, assim como do mundo que ela construiu e que está agora destruindo. E essas práticas visam, mediante a potencialização de estados orgásmico-kundalínicos alterados, transformá-la numa nova-energética-velha-consciência-turbinada.

Essas, para os gnósticos cristãos sempre - desde o princípio - foram consideradas práticas relativas à Authades, o Demiurgo de Platão, o “Príncipe desse Mundo” de Paulo. Assim não damos a César o que é de Deus bem como não procuramos envolver Deus (nem o Deus gnóstico a isso se propõe) nos nossos problemas com César. E é aqui, acima de quaisquer rótulos ou pré-conceitos, que encontramos grandes afinidades com o ensinamento de Krishnamurti e Eckhart Tolle, dos quais traduzimos e editamos em nosso blog [3] várias palestras e das quais destacamos aqui as seguintes [4] e [5], que bem representam nossas afinidades.

A ATUALIDADE DO CRISTIANISMO GNÓSTICO

O Evangelho Gnóstico de Tomé [6], considerado pela maioria dos acadêmicos como o texto mais antigos do cristianismo, trazendo provavelmente ditos recolhidos diretamente de preleções de Jesus aos seus discípulos, é também aquele que mais se adéqua às genuínas necessidades espirituais da atualidade. Esse profundo e adequado alfa e ômega do cristianismo gnóstico bem se caracteriza pelo dito 10 colocado na capa de nosso livro e que diz: “Eu joguei fogo sobre a terra e eis que vigio até que arda”.

E esse fogo agora já arde. É hora, portanto, de pararmos de brincar com ele.

Como diz Stephan Hoeller em [2]: “Esse é o tempo em que a Gnósis - o reconhecimento do Verdadeiro Divino - não é mais um luxo, mas uma necessidade absoluta”.

RIO, 4/10/2009

PAULO AZAMBUJA

REFERÊNCIAS (em hiperlinks)

[1]“Os Evangelhos Gnósticos” - Elaine Pagels - Google Books
[2] A Batalha sobre Deus, Uma Posição Gnóstica . Stephan Hoeller YouTube: Pauloaza3
[3]Blog: Atualidade do Cristianismo Gnóstico do Princípio – Paulo Azambuja
[4]Eckhart Tolle & Krishnamurti - Instâncias do Agora - YouTube: Pauloaza3
[5]Eckhart Tolle - Entrevista- Espiritualização ou Transcendência do Mundo - YouTube: Pauloaza3
[6]Evangelho Gnóstico de Tomé